Última Parte: Uma despedida indesejada
Acordei com o barulho de um livro caindo no chão. Era mais uma daquelas tardes modorrentas. Estava cansado, após um dia atarefado. Eu tinha uma empresa de som. Realizava eventos de terceiros e atuava de vez em quando como promoter. Havia acordado cedo naquele dia luminoso. Lembro de já ter dispensado os funcionários, após guardar e revisar todo equipamento. E aproveitava a tarde para ler e cochilei.
A queda do livro despertou apenas alguns sentidos de imediato. "Um cafezinho quente agora faria bem!" - pensei comigo.
Lembro-me que havia sonhado. Algumas imagens remanescentes pairavam na mente. E como sempre faço, não abri os olhos de imediato. Tentei me lembrar do sonho.
-Camarada, você continua nessa letargia! Sinto que estamos nos afastando de novo. Você vai me abandonar!... - era Ilynx. Agora já reconhecia sua voz. Continuou: Eu sei que vai! Mas quero deixar umas coisas bem claras entre nós...
Eu sentia um certo torpor. Como se todo o corpo pesasse feito em chumbo. A voz do garoto oscilava, indo e vindo. Como uma canção. Uma doce melodia que eu queria manter ali comigo ali naquele momento. Mas que estava se tornando cada vez mais distante... -ele continuava:
-Quando você era pequeno me levou ao circo várias vezes e me convidava sempre para brincar com os amigos lá na mangueira. Pra jogar bola, pra roubar jaboticabas na chácara da D. Matilde. Lembra que a gente brincava de soldado? E as 'guerras' com a turma do Bairro de Lourdes, então?... - as imagens passavam como num filme. As brincadeiras da infância, os amigos...
Fiquei por ali ouvindo a explanação de Ilynx. E as cenas se misturavam na mente. Os momentos dos folguedos infantis iam se fundindo com as imagens posteriores da juventude. Depois com as da fase adulta e fui percebendo uma discrepância entre elas. Um calafrio percorreu minha espinha...
-Ilynx, não se vá! Agora sou eu que tenho de te contar uma coisa! - a melodia já ia desaparecendo. Outro dia eu assisti um filme legal. Lembra-se quando íamos ao cinema Brasil, lá na Praça 28 de Setembro? Pois é não foi lá qu vi o filme. Mas gostei e descobri umas coisas que queria discutir com você. Trocar umas figurinhas, volte aqui!...
Ouvi ao longe como se fosse uma despedida:
-Não adianta, Pê. Você não sabe mais jogar bafo, nem pique de esconde-esconde. Você já era! Mas eu volto ainda, não desisto de você. Sua hora ainda não soou. Tenho de ir já são seis da tarde, se esqueceu?!...
-Mas, ainda faltam alguns minutos... - tentei insistir.
-Eu volto! Algum dia. E se não for possível... - a voz definhava - eu deixo uns sinais. Fique atento aos sinais.... sinais...
-Olha, Ilynx, o nome do filme é 'Matrix'! E vi mesmo uns sinais!...
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Estava relendo “Maktub” do Paulo Coelho quando pegara no sono, recostado numa cadeira de espaldar alto. E não só o ruído da queda do livro me acordara. O cheiro de café fresquinho vindo da cozinha invadia toda a casa. Ajudou-me a despertar. O programa da placa de som do computador estava no modo “repeat CD”. Não sei quanto tempo dormi. Estou ouvindo agora “The show must go on” do Queen. Voltara a chover, como acontecia naquelas tardes de Abril. E era quase noite. Percebi que havia começado a escrever qualquer coisa no editor de texto à minha frente antes de pegar no sono e não sei mais o quê e para que era. Só tem uma frase iniciando um diálogo:
“-Você não tem sido nada gentil...”
Deleto o texto. Não tem tanta importância...
A cabeça dói um pouco. Tomo um café para livrar-me desse entorpecimento e saio para tomar um pouco de ar na varanda, lá na frente da casa.
Reparo que foram plantados dois arbustos, em frente, do outro lado da rua, bem na beira do lago.
São bonitos! Quem teria plantado?...
A noite despenca na paisagem bem mais depressa...
ESTILHAÇOS:
"É no colidir das palavras, no entrelaçamento delas, no lúdico, na melodia que se espreme dos versos que aprendemos a magia de poetar. Como um aprendiz de feiticeiro, vamos derrubando os potes..." - Profex
"Faço rabiscos no papel. Nele traço projetos, misturo desejos. Sobram riscos, faíscas, estilhaços. São cometas neste céu de possibilidades onde abro janelas no futuro..." - Profex
"Aquilo que desenhas com letras grafitadas, mostra um esboço que tento decifrar, com certeza.
Numa noite encantada sem grilos, para virar a mesa, procuro a senha na aquarela com que distribuis a cor e torço encontrar no escuro...
Mais que isso:
Selar um compromisso de derrubar os muros, um desejo de abrir a janela,
de par em par, escancancarar..." - Profex
"Nessa inconstância de ser assim, nessa busca incoerente de mim, às vezes esqueço até de comer. Às vezes esqueço até de beber. Às vezes esqueço até da arte, dos livros, do cinema. Mas nunca me esqueço de você. Isso é veleidade. Nem pensar! Disparate, despautério, este pensar que depois de tudo eu te esqueceria, se tu fostes o encanto e a magia. Não faças cena, pois fizestes parte do mistério de todo meu querer, do meu tentar. Por certo haverá de bater saudade. E, que seja por apenas um segundo, lá no fundo eu sei: valeu a pena!" - Profex
"A fuga nem sempre é tão importante se a liberdade se oferece em pequenos espaços...
Voltamos sempre ao ponto. Ao encontro dos momentos marcantes. Pelo menos tentamos. E dessas tentativas consentidas, ora venturosas, ora frustradas, prosseguimos..." - Profex
"Embrulhe com carinho para poesia este presente! Ele será aberto para celebrar nosso futuro!" - Profex
"Quando nossas palavras se tornarem ecos e fundirmos nossas identidades, sem mais ninguém saber quem é quem, ninguém será mais de ninguém. Mas eu te pertenço. E você a mim também." - Profex