Uai, mais uns versos sem remendos de um mineirim!...
SEM REPENTE
essas tais correspondências:
Do objeto, a serventia;
do sujeito, vem a função;
o todo tomado em partes,
dividido com ciência,
mas sem muita garantia.
Na reunião dos pedaços,
pra compor o dia a dia,
o verso, a rima e a canção,
é preciso mais que um laço.
Há um traço além da linha,
um trem apitou na curva
e vai passar nesta ponte...
Satisfação de mineiro
ninguém mesmo adivinha;
e beber dessa água tão turva
ninguém precisa temer.
Que dela não se amedronte,
pois ela é como o dinheiro,
um pouco é preciso ter.
Falando estou da cautela.
Preste, pois, muita atenção
que o jogo começa agora.
Nesta colcha de retalhos
o coração eu emprego:
a costura é feita à mão,
remendada à luz de vela.
Mão, a melhor ferramenta:
não tem dia e nem tem hora;
pra quem enxerga ou é cego,
serve pra qualquer trabalho,
condiciona e complementa.
Pois neste repente o mineiro
também sabe manobrar.
Tira a rima da cabeça,
o debaixo com o de cima,
por inteiro ele combina,
como se fosse apanhar
-pra sede, água pura da mina
e, para enfeitar o prato,
os ovos do galinheiro.
Pra que serve a borracha,
a brisa e a boa pinga?
Vejamos este relato,
acompanhe o raciocínio:
Não me arrependo dos erros
se a brisa pra mim é vento,
se quem bebe é de garrafa.
Na encruzilhada, a mandinga.
Passo por cima, disfarço,
feijão com arroz 'tá escasso
e o chefe gritando aos berros.
Não sei se ainda aguento viver,
não sei onde me encaixo,
perdido sem o meu espaço...
Repente de mineiro é assim,
cheio de idas e vindas.
No meio tem altos e baixos,
tem frase tão desconexa,
que o crítico acha ruim;
quem não entende acha linda!-
e um outro poeta esconjura.
Se as opiniões eu racho
e não posso fugir da pecha,
apago então essa vela
na mais pura alegria!
Deixo a cautela de lado,
não ligo, já nada me avexa:
Autor: Expedito Gonçalves Dias (Profex)
Escrito em 12-04-1992 em Lambari-MG, as 23 h
(fonte da imagem: www.mineirosemqueijo.com)