A noite não veio, mas o dia já terminou. E como artesão do sereno sinto falta da lua.
Um fim de tarde comum vira um pesadelo:
quero falar do açoite que fere meu coração,
num meio-termo ameno, sem estardalhaço,
quebrar o gelo, falar então sem barreira,
numa confissão verdadeira, pro mundo escutar...
Mas a boca está muda, minha mão emperrou.
Passo por um dilema, uma crise de identidade
e por mais que eu queira não termino o gesto.
Vou fundo numa vã tentativa de remediar,
de saber o motivo dessa avaria no sistema.
Tento um lenitivo, uma saída, uma sangria.
Nervos de aço não resolve, nem determinação.
Nada alivia, nem calma, nem tampouco correria.
Levanto-me da escrivaninha e olho para a rua.
O vazio lá fora é o mesmo que me enche a alma,
sou uma conta sem resto, uma vela sem pavio.
Chega uma hora em que o infinito se desfaz,
num desplante atroz, bem debaixo do nariz.
Um momento fugaz, tão intenso quanto um cio
em que o mundo se desnuda e o tempo se entorta.
Existe uma zona morta, bem ali na divisa
entre o nosso mundo interno e esta matrix;
onde a natureza se queda e entrega os pontos,
as portas se trancam e a verdade se desdiz.
O desgoverno se aproveita da nossa fraqueza
e se houver um cochilo, reina solene no mundo.
É preciso cautela nessa hora, junto à porta do inferno!..
Não ir fundo, planar de leve, suave, na superfície.
Quem já teve a experiência conhece o assunto,
recua um pouco, usando certa estratégia,
dispensa toda ciência... e escuta o coração.
Fecho então o programa e aguardo uma nova tela.
A água-régia desta alquimia - o estatuto -
é abdicar do controle absoluto e deixa rolar...
Procuro uma distração, desisto dessa confidência.
Dispenso choro e vela, sem desvendar o véu.
De repente, tudo muda, não temo mais nada.
Escuto um sinal, vejo um clarão, percebo um aceno...
Retomo, depois disso, minhas idéias com ciência.
Estou sereno. A noite já veio e a lua sorri no céu!
(0022-Meus Poemas - Na Zona Morta... cale-se! - Autor: Expedito Gonçalves Dias
(Escrito em 16-05-2001, em Varginha-MG, às 20:20 h)